
Coronavírus, “os Moleques” e a Necropolítica
07/07/2020
Por Silvia Carvalho e Tatiana Dahmer
Por Silvia Carvalho e Tatiana Dahmer
“vai ser muita ironia se eu morrer de coronavírus, minha vida está em risco todos os dias quando eu saio na rua, não vai ser de um vírus que eu vou morrer...”
A pandemia de Coronavírus nos impôs uma série de cuidados e mudanças de hábitos com intuito de contê-la. Seu impacto pode ser fatal a um determinado grupo de pessoas consideradas de risco (idosos, portadores de doenças crônicas independentemente da idade com hipertensão, diabetes, asma e cardiopatas). O apelo para o isolamento social nesse momento é para além dos que estão nesse grupo, pois pessoas consideradas saudáveis podem passar pela doença sem nenhum agravo, porém pode contaminar seus familiares e pessoas do grupo de risco. Em um mundo de desmonte neoliberal de serviços públicos universais, a incapacidade de atendimento pode custar a todos a vida. Nesse sentido, voltamos nossa atenção às juventudes, mais precisamente a juventude negra, periférica e favelada.
Nosso interesse se dá a partir do diálogo com três jovens, a partir de três perguntas que lhes foram feitas: (i) Se sabe o que é o coronavirus? (ii) Se tem receio de contrair e (iii) como estão fazendo para prevenção?). O primeiro, cuja resposta reproduzimos na frase que inicia esse curto texto, verbaliza que não tem medo da doença porque a vida em risco ao sair à rua é uma condição permanente em sua existência. O segundo relata ter medo de contraí-la e se previne permanecendo um pouco mais em casa, mas não deixa de sair. O terceiro responde que, quanto ao receio de contaminação, o possui “mais ou menos, com tantas tragédias e doenças no mundo essa é mais uma apenas” (sic). Os três foram unânimes quanto ao saber do que se trata a doença e como preveni-la.
A despeito do que se pensa a juventude periférica, esta não é alheia ao que se passa ao redor do mundo. Ao contrário, possuem total consciência social e crítica, pois vivem cotidianamente o que muitos teóricos publicam e discutem na academia. Para alguns autores os jovens que residem em áreas pobres classificadas como violentas são vistos com preconceito. As periferias são marcadas pela presença das armas de fogo, que sustentam tanto o varejo de drogas ilícitas quanto a truculência policial. A resposta à pergunta “onde você mora?” pode ser decisiva na trajetória de vida de um jovem.
Por lidarem com a violência constante do Estado e o risco iminente de sua morte, o coronavírus se apresenta apenas como mais uma questão com a qual eles terão que lidar, mas não mais letal do que o que eles já experienciam. Dessa forma, vai se introjetando o sentimento de que a vida já está tão exposta que uma pandemia não tem o mesmo significado do que realmente representa à maioria das pessoas. Então o sentido de banalização de que a vida pode se perder nesse mundo de tragédia, não é um problema de falta de consciência social, mas reflexo de uma Necropolítica (Achille Mbembe, 2018), ou seja, a relativização de uma vida já tão desvalorizada e que pode se perder.
Referências bibliográficas:
LIMA, Fátima. Bio-necropolítica: diálogos entre Michel Foucault e Achille Mbembe. In: Arquivos Brasileiros de Psicologia; Rio de Janeiro, 70 (no.spe.): 20-33
MBEMBE, Achille. (2018). Necropolítica. São Paulo, sp: n-1 edições.
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